Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos. Mateus 22.14
Esta
declaração desconcertante merece uma discussão detalhada. Na
apresentação de Mateus, Jesus faz referência ao povo de Deus em termos
corporativos. Inicialmente notamos a característica dos eklektoi (escolhidos):
eles são salvos. Veremos nas epístolas que os “chamados” representam os
crentes em Cristo. Entretanto, aqui Jesus distingue entre o grupo maior
– os chamados – que recebem o convite, e o grupo menor – os escolhidos –
que são salvos. Jesus coloca estes escolhidos em contraste com aqueles
que sofrem a punição eterna (22.13). Com a exceção de uma única
aplicação a Jesus (Lc 23.35), eklektos (escolhidos)
se refere aos crentes. Muito significativamente, neste contexto também
descobrimos o critério que distingue os eleitos dos não-eleitos. Se
Jesus fornece alguma explicação para o por que alguns são eleitos e outros não, ela está aqui.
Esta
dura declaração conclui a parábola das bodas (Mt 22.1-14). Em 22.3 o
rei envia os seus servos a fim de convidar ou chamar aqueles que ele
convidou. Igualmente em 22.9 o convite sai para todos. Mas os escolhidos são escolhidos porque somente eles responderam ao convite da maneira correta.
Os elementos chave na história que diferenciam aqueles que desfrutam do
banquete daqueles que não desfrutam são a resposta ao convite e o uso
da veste nupcial prescrita. Deixar de desfrutar da festa não depende do
rei, mas unicamente dos convidados. Como a cena final torna
abundantemente claro, até mesmo estar no salão de festas
não é suficiente. Presumivelmente, o homem culpado tinha
desafiadoramente recusado trajar-se de modo adequado, como todos os
outros convivas.[1] A
consequência para o convidado mal vestido era severa: juízo
escatológico. Jesus introduz realidade na parábola, usando algumas das
figuras distintivas dos sinóticos para o juízo ou punição eterna (veja
Mt 8.12; 13.42, 50; 24.51; 25.30; Lc 13.28).[2]
O ambiente adaptado no qual Mateus situa a parábola torna provável que seu Sitz im Leben[3] é
a oposição dos oponentes – principais dos sacerdotes, fariseus e
saduceus (21.45-46; 22.15, 23). Como líderes da nação judaica, eles
tipificavam um povo rebelde que, ao rejeitarem Jesus, estavam
desprezando o convite de Deus para o seu banquete messiânico (22.2: “as
bodas de seu filho”). Como as parábolas precedentes dos lavradores maus
(21.33-44) e dos dois filhos (21.28-32), a parábola das bodas ressalta a
recusa dos judeus de virem a Deus em seus termos.
Algumas vezes eles inventavam seus próprios termos – como o conviva
impropriamente vestido – mas usualmente eles simplesmente recusavam o
convite de Deus por completo.
Por
outro lado, aqueles que os fariseus consideravam impuros estavam
respondendo ao convite de Deus; eles iriam desfrutar de seu banquete. Eles são os escolhidos. Paralelo aos outros usos de eklektos,
aqui, também, “escolhidos” significa salvos. Esta parábola deixa
explícito o critério para pertencer a este grupo escolhido: uma resposta
positiva a Jesus e sua mensagem.[4] Hill diz, “O que indica se alguém está entre os escolhidos ou não é comportamento e ação.”[5] Da
parábola entendemos que as pessoas obtêm “o status de escolhidos” em
algum momento de suas vidas. Os judeus tiveram toda oportunidade para
entrar para a esfera dos eleitos, mas eles recusaram os convites de
Deus. Os discípulos aceitaram o convite e estão, portanto, entre os
poucos escolhidos.
Ao tirarmos conclusões desta passagem acerca da eleição, devemos ser cautelosos para não vermos nela a teologia paulina[6] ou outras ideias preconcebidas. Pois Mateus faz uma distinção entre aqueles muitos[7] chamados
(ou convidados) e um grupo menor, os escolhidos, ainda que para os
outros escritores os termos descrevem o mesmo grupo (veja, por exemplo,
Rm 8.28-33; 2Pe 1.10; Ap 17.14). Nas disputas de Jesus com os fariseus
ele insiste que ninguém pode abusar de sua relação com Deus. Porque
alguém ouviu o convite de Deus (ou como quer que descrevemos a posição
privilegiada dos judeus), isso não significa garantia de vida eterna.
Sutcliffe coloca bem este ponto:
A
parábola deixa claro que se os outros não estavam entre os escolhidos, é
unicamente porque eles recusaram o chamado. Estava em seu poder estar
entre os escolhidos, mas eles preferiram permanecer desinteressados.
Isto foi revelado há muito tempo por Teofilato: “O chamado depende de
Deus; tornarmos eleitos (ou escolhidos) depende de nós.”[8]
Ao
acrescentar a expressão de Mt 22.14 a esta parábola (e este grupo de
parábolas [21.28-22.13]), o escritor sinótico deixa claro sua abordagem
da eleição. Os eleitos seguem Jesus.[9]
William W. Klein – Fonte: The New Chosen People, pp. 67-70
Tradução: Paulo Cesar Antunes
[1] Talvez
eles tivessem ido para casa vestir suas melhores roupas, mas isto
parece improvável devido a sua situação (22.9). Muito provavelmente o
rei forneceu os trajes necessários, assim como Deus provê a salvação.
Mas esta controvérsia não precisa deter-nos. O ponto é que enquanto os
outros convidados satisfizeram as expectativas do rei, uma pessoa não.
[2] O
julgamento contra aqueles que inicialmente rejeitaram o convite do rei
também foi severo – eles foram destruídos e sua cidade foi queimada
(22.7) – mas isto permaneceu dentro dos limites da parábola.
[3] N.T. Expressão alemã comumente traduzida como “contexto vital”.
[4] Nós
não percebemos nenhum sinal aqui de alguma escolha eletiva anterior
deste grupo de convivas. Hendriksen simplesmente não tem nenhuma base
para tirar esta conclusão do versículo: “Em comparação com os muitos que
se perdem, são poucos os que se salvam, isto é, poucos são os que foram
escolhidos desde a eternidade para a herança da vida eterna” (William
Hendriksen, Comentário do Novo Testamento: Mateus, Volume 2 [Editora
Cultura Cristã: São Paulo, 2001], 416). Beyschlag acerta o alvo: “A
ideia de ser eleito, portanto, não contém o resultado de um decreto
unilateral de Deus, mas uma tarefa mútua do comportamento divino e
humano. Deus escolhe aqueles que tornam possível que ele os escolha” (W.
Beyschlag, New Testament Theology, 2ª ed., 2 vols. [Edinburgh: T. & T. Clark, 1899), 1:138).
[5] David Hill, The Gospel of Matthew, NCB (Londres: Oliphants, 1972), 303.
[6] Schweizer
sucumbe a esta tentação quando diz, acerca de Mt 22.3, “A palavra para
‘convidar’ também significa ‘chamar.’ Paulo usa a mesma palavra para
descrever o poder do evangelho, que ‘chama’ as pessoas para Deus. O
ponto portanto é o chamado de Deus para a salvação” (E. Schweizer, The Good News According to Matthew [Londres: SPCK, 1976], 420).
[7] J. Jeremias pesquisou os usos de polloi (muitos)
(TDNT, 4:542). O termo pode ter um significado inclusivo – “todos”. Ele
cita o paralelo de 4Es 8.3: “Há muitos criados, mas poucos serão
salvos.” Obviamente muitos aqui
significa “todos.” Desta forma, ele continua, “Se 4 Esdras 8.3
contrasta a totalidade dos que foram criados com o pequeno número dos
salvos, Mt 22.14 contrasta a totalidade dos que foram convidados com o
pequeno número dos escolhidos” (ibid.).
[8] E. F. Sutcliffe, “Muitos São Chamados Mas Poucos Escolhidos,” ITQ 28 (1961): 130. De acordo com Sutcliffe, as citações de Teofilato são de Enarration im Evangelium Mattaei; PG. 123:388C.
[9] Esta conclusão é preferível a de Schmidt (TDNT,
3:494-96) que explica Mt 22.14 num sentido dialético: “Muitos são
chamados e todavia poucos são chamados; muitos são eleitos e todavia
poucos são eleitos” (p. 495). Para Schmidt, Jesus simplesmente adverte
contra deixar de apreciar as realidades espirituais. Esta avaliação
deixa de considerar suficientemente o contexto. Igualmente achamos
deficiente a interpretação de Schweizer. É inconsistente com a parábola
concluir, como ele faz, que “‘chamados’ significa aceitar o convite
inicial (vss. 3-8), ‘escolhidos’ significa perseverar até o fim (24:22,
24, 31)” (Schweizer, Good News According to Matthew,
421). Na verdade, o convite inicial dos vv. 3-8 não foi aceito. Os que
foram inicialmente convidados rejeitaram o convite do rei. Somente no v.
10 alguns atendem o convite, e mesmo entre este grupo um se
desqualificou.
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